Tradução livre do artigo Developer of world’s worst video game, Hong Kong 1997, ends silence to reveal its strange genesis and beg gamers to drop it publicado no South China Morning Post do autor Pavan Shamdasani.
O desenvolvedor do pior game do mundo, Hong Kong '97, quebra o silêncio para falar sobre o estranho jogo que desenvolveu e implora aos jogadores para esquecê-lo.
Com pouco dinheiro e sem experiência em programação, Yoshihisa Kurosawa, o cidadão japonês se propôs a fazer o pior jogo possível; uma lenda entre os jogadores, 23 anos depois, as pessoas bombardeiam sua página do Facebook com diversas perguntas.
O ano é 1997 e Hong Kong é o cenário para o que é considerado o pior game de todos os tempos.
A Grã-Bretanha exerce soberania sobre o território chinês, os chineses em maior número, fazem com que a taxa de criminalidade suba. O ex-governador britânico, Chris Patten, chama o agente Chin, um parente distante de Bruce Lee que lembra bastante Jackie Chan, para uma missão: matar um bilhão de comunistas feiosos.
Lançado para o Super Nintendo em 1995, Hong Kong '97 é horrível - um shmup 16-bit feito em poucos dias e que utiliza imagens sem licença.
Muito parecido com o filme The Room (2003) de Tommy Wiseau, o jogo acabou ganhando status de cult e conseguiu um bom número de seguidores desde seu lançamento.
"Meu objetivo era fazer o pior game possível", disse o desenvolvedor Yoshihisa Kurosawa, desenvolvedor de Hong Kong '97, ao South China Morning Post, em sua primeira entrevista desde a criação do game.
"Quando eu era jovem, eu tinha o sonho de trabalhar na indústria de jogos, (mas) eu não gostava dos jogos da Nintendo. Os padrões e personagens estavam todos velhos. Naqueles dias, todos os jogos eram feitos pela (gigantes da indústria japonesa de games) Nintendo e SEGA, por isso era impossível você fazer seu próprio jogo. Você estava sujeito às regras e padrões éticos, e você tinha que pagar altos royalties apenas para fazer um jogo."
Houve uma oportunidade de fazer uma viagem a Hong Kong, que praticamente iniciou o desenvolvimento do terrível jogo que é associado ao seu nome. Tendo pouco dinheiro para ficar nas Mansões de Chungking, Kurosawa passou seus dias vagando em torno dos shoppings de computador de Sham Shui Po e encontrou dispositivos que podiam copiar jogos de Super Nintendo em disquetes. O dispositivo de piratear, geralmente utilizado para copiar jogos - também foram utilizados para rodar jogos indies no Super Nintendo.
"Eu estava doente e cansado do sistema de consumo de jogos e da forma como a Nintendo estava no topo da pirâmide."
"Eu fui muito influenciado por jogos extremos que saíam na Europa", diz ele. "Tive uma ideia de criar um jogo barato e vulgar que burlasse a indústria. O surgimento da copiadora de jogos finalmente me deu essa oportunidade. Com uma dela, você poderia comprar e vender games sem a necessidade da aprovação da Nintendo."
Com a semente plantada, Kurosawa precisava de um cenário - e o que melhor do que a cidade que o inspirou em primeiro lugar? "A Hong Kong que conheci na década de 1990 era dura nas periferias e suja, mas a sociedade era mais avançada do que o Japão de certa forma", diz ele.
"Eu tive interesse no que se desdobraria em 1997, e havia um senso de antecipação, mas também de ansiedade. A China ainda parecia um mundo de selvagens. Pensei: o que acontece se os dois se misturassem?"
Com a falta de habilidade em programar sozinho, Kurosawa pediu a um contato que trabalhou na Enix (atualmente Square Enix) para ajudá-lo - mas a agenda de seu amigo era ocupada, significando que ele poderia ajudar apenas dois dias no projeto de Kurosawa.
"O jogo ficou assim porque era o tempo que tínhamos. O que você vê representa um décimo do que eu pretendia fazer", diz ele. "Não havia tempo. Não tínhamos dinheiro. Não tínhamos permissão. Nós simplesmente fizemos uma abordagem desleixada para dar um estilo de Hong Kong, e esse é o resultado."
Isso significava reunir as partes que tínhamos. "Nos viramos para encontrar imagens de Deng Xiaoping e Jackie Chan, o personagem principal foi tirado de um cartaz de filme. Nós não conseguimos fazer uma música nós mesmos, então eu testei uma trilha de um laserdisc usado que peguei na Rua Xangai", diz ele. "Hong Kong '97 estava mais ou menos terminado."
Após uma introdução insana que prepara para a cena do jogo, o jogador simplesmente move Chin ao redor da tela enquanto atira em soldados do PLA (People's Liberation Army / Exército Popular de Libertação) e tenta se esquivar da cabeça gigante do líder comunista Deng Xiaoping durante o maior tempo possível. É isso praticamente.
Com o jogo completo, a questão a seguir era a distribuição. Eram tempos em que as lojas físicas reinavam, o marketing e a venda de um jogo sem licença não eram fáceis. Kurosawa criou antecipadamente artigos escritos com assinaturas de pseudônimos para revistas de jogos undergrounds e criou um serviço de pedidos por correspondência para vender o jogo.
"Os tipos de pessoas que compraram copiadoras de jogos da Super Famicom não eram do tipo que gastam dinheiro com jogos, então era como tentar vender algo para um bandido. Então, apenas algumas pessoas estavam dispostas a transferir dinheiro para minha caixa postal em Tóquio", diz Kurosawa. "Eu vendi o jogo em disquetes por alguns meses, e então caiu no esquecimento completamente."
Bem mais tarde, com o advento da internet e seus muitos emuladores de consoles, que o jogo começou a ganhar status de cult - muito para o desgosto de Kurosawa. "Mais de uma década depois, percebi que o jogo (Hong Kong '97) chamou a atenção - da pior maneira", diz ele. "Eu pensei que era apenas uma moda, mas o interesse parece estar crescendo a cada ano."
"Todos os dias eu recebo perguntas no Facebook de todo o mundo, de pessoas que nunca ouvi falar, perguntando algo do tipo "De quem é o cadáver (quando se morre)?" As pessoas também começaram a ler muito sobre o jogo, e inventaram seus próprios mistérios em torno dele. Toda a configuração e o contexto eram apenas coisas que eu inventei enquanto eu desenvolvia. As perguntas são infinitas, então eu simplesmente ignoro todas."
Hong Kong '97 foi o ápice do envolvimento de Kurosawa no mundo dos videogames. Ele trabalhou brevemente como parte de uma equipe em um FPS (First Person Shooter) para o PlayStation 2, mas ele não quis dizer qual, além de admitir que foi um jogo "run-of-the-mill" (insignificante). Atualmente, Kurosawa passa o tempo produzindo uma revista de viagens subterrâneas intitulada Six Samana (www.sixsamana.com) e trabalha em documentários de nicho (incluindo War in the Mirror, sobre o escritor Masata Kimizuka).
No entanto, parece que ele tem uma maldição. "O objetivo era simplesmente criar um jogo vulgar e pensei que seria mais divertido do que jogá-lo, ver ele se tornar um fracasso", diz ele. "Mas, honestamente, eu simplesmente queria que as pessoas se esquecessem do jogo de uma vez por todas."
Fonte: Siliconera, South China Morning Post